Uma conversa incrível está prestes a acontecer
Por Amabile Luz
Tempos difíceis pra ser mulher! Exigem que eu seja “sexy,
sem ser vulgar”. Impossível! Não quero ser sexy e nem a Elle colocando uma
gorda na capa para validar minhas formas (leis do mercado, já que “plus size”
virou um bom negócio), vai me convencer do contrário. Associo o termo ao
sexismo, que transforma o corpo em produto/objeto/vitrine. Enfeia e oprime...
Prefiro ser vulgar. No sentido mais gostoso da palavra. Vulgar é aquilo que
pertence ao povo, à plebe. E é assim, de maneira vulgar, com a minha falta de
modos, atrevimento presente, vocabulário precário e sem necessidade de
permissão, que inicio as provocações sobre a questão da mulher na arte.
Poderia começar teorizando de como somos concebidas na
dramaturgia, literatura, artes visuais, música. De como nos vemos e nos
percebemos nas linguagens. Mas não. Foco e problematizo para além da
representação, dessas mulheres do imaginário (personagens). Não que não seja
importante e não faça parte de nossa identidade cultural, mas pensando sobre o
tema me interessa mais as vivências das mulheres reais da arte: as artistas.
Pergunto-me se é mesmo necessário pautar isso. A classe
artística é tão “avant-garde”, será ainda preciso discutir a condição da
mulher? Será que ainda há machismo pontuando as relações na arte? Digo: há. E
dos brabos. Porque é um machismo dissimulado, uma falsa percepção de que “está
tudo bem”. Considero a situação tão perigosa e frequente quanto o machismo que
permeia os meios (partidos, movimentos, botecos) “de esquerda”. Nega-se.
Finge-se um autismo para não tratar o assunto. É onde se monta a armadilha,
pois o tradicional reconhecemos facilmente: “o cidadão” aprisiona a esposa em
casa, assedia as funcionárias, diz o que devemos pensar, fazer, vestir...
Agora,
como diagnosticar o discurso machista em pessoas queridíssimas que lutam ao
nosso lado? Falo em pessoas, não exclusivamente em homens, mesmo respeitando e
compreendendo o discurso feminista que diz que uma mulher não pode ser machista
pela própria condição, mas entendo que muitas vezes, reproduzimos tais
discursos, sendo cruéis, sem perceber a gravidade da atitude.
Como não quero escrever uma monografia, muito menos esgotar
o assunto (só desejo cutucar a onça com vara curta pra ver no que vai dar),
cito algumas situações em que percebo o pensamento “machista-artístico” se
manifestar:
1- dentro de um coletivo cultural misto, democrático, a
mulher tem voz. Dá opinião, se expõe, manifesta, ajuda a construir. Só que ao
primeiro sinal de discordância, de crítica, recebe a réplica pautada em “suas
características emocionais” (é sensível demais/ barraqueira/ melindrosa/
radical/ frágil), facilmente identificada a sua condição feminina. Sua fala é
desacreditada. Vira café-com-leite. Se abusar, ainda ouve que deve estar na
TPM;
2- a mulher aprendeu a exercer sua sexualidade com
liberdade. Transa com quem tem vontade. É assediada. Diz não. Daí, o
“coleguinha” não entende que por ter o sexo muito bem resolvido, você não
PRECISA trepar com todo mundo. Muito menos com ele. Porque há um pensamento
corrente que toda artista de “militância” precisa provar que é “libertária”. E
se não rolou, acredite, é porque a mulher não entende o poder do “corpo
dionisíaco” (?), tem travas morais burguesas e se pá, vive na TPM;
3- o homem vê como normal a mulher ter que escolher entre a
carreira artística e a maternidade. PRECISA escolher. O discurso machista não
vê possibilidade de conciliação. Reforça isso para a mãe, mas não afeta o pai.
Reproduz os mesmos conceitos sociais que critica. Não se concebe que o homem
cuide da criança enquanto a mãe cria em sala de ensaio. Não seja mãe! Pois se
essa for uma escolha sua, saiba que possivelmente será uma decisão num momento
no qual você resolveu largar tudo porque estava na TPM;
4- a mulher escolhe não ser mãe. Mas como? PRECISA exercitar
suas características maternais. Seja abnegada e dócil. Adote o coletivo. Passe
a mão na cabeça cada vez que alguém fizer uma grande cagada. Não reclame. Sabe
como é, pode ser a TPM.
Dei só alguns exemplos cotidianos, mas há muito mais. O
machismo se manifesta na fala sobre sua roupa, seu comportamento, quanta bebida
consome, com quem está saindo. Se manifesta no patrulhamento das suas ações e
das suas idéias. Se manifestou no passado, nas carteirinhas de puta das
artistas e aparece hoje no olhar social que recebemos como sendo altamente
permissivas...
Essa é só uma primeira colocação sobre a questão. Creio que
domingo, hei de aprender bastante no Boca de Cena. Esse é um texto
completamente despretensioso. Não quis enche-lo de terminologias feministas. Só
quero causar mesmo. Porque mesmo sendo “sensível demais/ barraqueira/ cheia de
melindres/ radical”, ainda assim, insisto em falar.
E nem estou na TPM.
Por Pedro Gonçalves
O QUE É MULHER?
Acho que são diversas
as questões que podem ser levantadas quando o tema é mulher e arte. Todos que
já cursaram alguma graduação na área artística devem ter passado pelas horas de
discussão para tentar responder “O que é Arte?”. Agora, já paramos pra
questionar: “O que é Mulher?”? Fujamos dos clichês de que as mulheres são
fortes. De que as mulheres são a fonte da vida humana. E de toda essa
representação helênica.
Jung dizia, e acredito
muito, que todos nós temos nossas polaridades, anima e animus. Todos. Sem
exceções. Um lado mais sentimental e afetivo e o outro mais pragmático e
racional. O fruto maior do machismo é construir um “homem” forte, inteligente e
provedor da família; sendo assim, todo e qualquer homem deve ser naturalmente
racional, pragmático, não havendo espaço para o afeto e sentimentalismo. Isso é
responsabilidade da mulher e ser sentimental a torna, naturalmente, fraca e
passiva.
Falo disso, pois olho
para a mulher, e para o homem, do ponto-de-vista de um homossexual que há
tempos vem tentando se libertar dessas polaridades e encontrar o equilíbrio
entre elas, pra pode ser quem se é de fato. Sentimental às vezes e pragmático
quando dá. Talvez por isso o movimento feminista atual se identifique em algum
lugar (que me parece cada vez mais distante) com o movimento LGBT, pois
queremos apenas ser como se é, sem oprimir nenhuma polaridade de nós. Enquanto,
o homem, forte, inteligente e provedor da família, ainda assim foge de todo e
qualquer sentimentalismo e afeto (pois, parece-me, que isso é – ou deveria ser
– uma fraqueza), excluindo isso do universo do trabalho e, em muitos casos, da
vida particular.
Tudo isso colocado,
fico com o questionamento: Dentro da criação artística, do trabalho coletivo,
da representação social e do pensamento político que temos, quem aqui dá vazão à
“anima” que há em nós?
Nenhum comentário:
Postar um comentário