sexta-feira, 8 de maio de 2015

CONVERSAS SOBRE SONHOS E REALIDADE


 São tantas as palavras a serem ditas que alguns membros do Teatro da Neura quiseram externar o que para nós significa e está significando viver esse tal de "ter um expaço para chamar de seu." Delícias de textos a seguir




Por Tuane Vieira 

Eu me pego pensando de que maneira um grupo produz/sobrevive/resiste sem espaço cultural. 

É nesse espaço que ele se reconhece como fazedor. É nesse espaço que nasce sua produção, sua pesquisa, sua relação com a comunidade em que se insere. Em Suzano, após termos todo o respaldo de uma prefeitura bem intencionada até onde se foi possível, onde se enxergava a cultura como economia e não como resto, nós dependíamos do Galpão das Artes e através dele histórias inteiras de grupos foram criadas debaixo daquele teto. 

Passar na Avenida Nove de Julho e ver o que ali se ergueu - uma lanchonete infantil - é simplesmente apagar de forma violentíssima 7 anos de batalha para formação de público, isso sem citar o tempo de ensaios e de luta para que aquele grupo se mantivesse. É de projeto que estamos falando.

Essa é a realidade na maioria das cidades do Brasil: grupos ensaiando em fundo de quintal da casa do pai, ou em salões de igreja em troca de ajuda com os alunos da catequese; tudo resultado de um movimento de corte total dos investimentos e de uma coisa muito mais básica que isso: vontade política. Ao me aproximar do poder público na Prefeitura de Suzano entre 2004 e 2011 percebi que fazer cultura e apoiar cultura está ligada com a vontade e interesse em fornecer a população entretenimento de maneira responsável. 

É uma obrigação dos governos municipal, estadual e federal fomentar acesso ao público, e também acesso aos artistas para produções de qualidade. O espaço de produção interfere, e muito, na qualidade desse fazer. Não se pode fechar os olhos para essa realidade: não há onde produzir, não há onde mostrar, não há COMO mostrar. Editais engessados, panelinhas pelo”bem-comum”, tudo se justifica na hora de emparelhar os recursos e deixar os grupos com espaços de luta independentes reféns da condição econômica e das raposas políticas super de olho pra abocanhar um grupo de teatro falido que queira manter seu espaço ‘contanto que se ceda para algumas atividades’.

Há de termos a responsabilidade como público sim, de apoiar esses espaços, de ajudar a divulgar, a fomentar com os amigos. Se você gosta do trabalho de um determinado grupo, esse é o momento de fazer com que ele não desapareça. O público é a única arma que esses agrupamentos tem contra a correnteza forte que os leva ao desaparecimento total.


                                                         ++++++++++++++++++


A arte existe dentro de cada um de nós e para isso não há a necessidade de recursos materiais ou estéticas extravagantes. Ela existe ali por si só fruto da criatividade humana. 

No entanto são nos espaços que arte se potencializa. É o local da comunhão entre artistas. É o templo das produções e o palco das apresentações. Para um grupo teatral ter seu espaço é uma conquista. É o símbolo de uma resistência, a luta por uma tão sonhada continuidade do trabalho.

E ter um Espaço Independente nos liberta das amarras, dos compromissos escusos, das “amizades” indesejadas, nos permitindo produzir como queremos. A independência prova que somos maduros e como tais batalhamos por nossa subsistência.

É uma peleia dura e digna. 


                                                         ++++++++++++++++++

SOBRE TER/SER UM ESPAÇO

“- Ô cê, tem um canto pra mim ae ow? 
- Ô, se tem! Noix vamo apertadinho viu, mai vamo tudo junto!”.

Hoje quando acordo, tenho a certeza que ao abrir a janela e olhar para a minha casa, eu sei que foi por mim. Eu sei do esforço que tive para colocar cada coisa dentro dela. Preencher cada espaço. Eu pensei em cada espaço. É pessoal e não teria como ser diferente. Um ponto de vista um tanto quanto singular de um jovem de 21 anos que decidiu tomar as rédeas da própria vida. É pessoal mesmo. Muito da postura encorajadora para a vida foi construída em outro lugar, físico ou não, mas que faço essa mesma relação com a minha casa, com a minha independência, com o meu eu defendido primeiramente por mim, e depois por mim, e por mim e por mim de novo. Sou espaço de eterno aprendizado.

Sobre ter espaço no mundo é outro desafio, no qual me proponho também ao mesmo tempo. 

Voltemos às experiências pessoais, quando no ano passado tivemos, junto ao Teatro da Neura, a nossa primeira experiência enquanto gestores de um espaço cultural na Casa da Coruja. A casa tinha atrações variadas que exploravam tanto o cinema, quanto o teatro e a música. Conhecemos outros que batalham pela sua arte e que precisavam de um lugar para fazer convergir as suas ações e assim, poder seguir com sua pesquisa. Precisavam de um espaço. 

É difícil notar por aí, quem dá espaço para suas criações. Se já é difícil para nós darmos espaço para nossas coisas, imagine essa relação com o outro. 

Aguardamos tanto fomento, patrocínio, criamos tanto a esperança de que um edital para projetos culturais venha para salvar nossas vidas que esquecemos que de nós, só poderemos garantir o que fazemos de melhor. Para além dos editais da vida e a forma com que são distribuídos aos grupos, possuir um espaço físico para criar tem exigido de nós outras formas de pensamento e de atuação dentro dos nossos propósitos. Algo que já vinha semeando desde a Casa da Coruja, mas que não havia encontrado solo fértil até então, coisa que só veio quando nos deparamos com o nosso papel único e primordial para que de fato, se inaugurasse o Espaço N de Arte e Cultura.

Voltemos novamente o olhar sobre espaços agora não só para o que há de concreto, de físico, de metro quadrado, mas também no sentido de encontrar um ambiente favorável para a criação, que é quase que a geração de um ambiente espiritual para que esteja com a gente aonde formos que essa energia se mantenha em pé. É difícil, é raro. Acredito que, dentro do Teatro da Neura, a gente conquistou esse lugar primeiro no imaginário coletivo. Cada um que chega, vem com algo que pode ser apropriado pelo grupo e para os que já estão, há o desenvolvimento de potencialidades dentro daquilo que gostam de fazer e se propõem a pesquisar e trazer para o grupo. Tudo é feito com muito prazer e com muito suor. Ali eu tive espaço.

Compartilhar espaço entre nós, os atores/gestores, tem um "quê" de descoberta que implica na premissa de que nada podemos esperar além do que o nosso empenho para fazer dar certo. Repare bem que não digo nem em relação aos outros. 

Mas é que precisamos garantir o nosso, a relação com o outro vem em seguida, como consequência. Ser morada do entusiasmo para contagiar. Ser morada da fé para que outros também acreditem. Assimilo a nossa mudança da Casa da Coruja para o Espaço N à minha saída da casa dos meus pais para ir morar "sozinho" com o Toddy, meu cachorro. 

É um processo que vejo que se estende para o coletivo no sentido de que sim, se quisermos ter um canto nosso para deixar de ser nômade, para deixar de depender de comodidades e conveniências de administrações públicas, para deixar de ter que dar satisfação do porque estamos fazendo teatro e não algo que dê mais lucro, para caminhar mais precisamente ao lugar da criação sem julgamentos. Penso que sim, teríamos que assumir essa vontade uma hora ou outra e trabalhar por ela, para se materialize. 

No que depender da gente...

Para nós, que em Suzano desenvolvemos nossas ações, é um momento diferente do "convívio" artístico que foi estabelecido no memorável Galpão das Artes. Triste para uma cidade ter tantos artistas, tanta potencialidade artística e todo um trabalho ir por terra. Suzano poderia ser espaço para tanta coisa, mas tem espaço para tão poucas. Tanto que do convívio só nos resta o conhecimento de que alguns ainda resistem e que outros ainda buscam formas de existir. A lei da sobrevivência. 

A verdade é que as pequenas formações que hoje poderiam ter sim um grande peso, não foram preparadas para a ausência de auxílio, de ajuda até que se erguesse firme. Até quando conseguimos nos manter firmes e fortes dentro do caminho que estipulamos para trilhar? 

Colabora para um pensamento que vai além do nosso fazer artístico, tem haver com algo que trazemos de nós para a cidade, para que os próximos possam germinar algum fruto para os próximos anos. Tenho a consciência de que empresto meu corpo não só a um personagem desta vez, mas a uma nobre causa. 

Que é o que responde a pergunta dada acima e dá força para que sigamos.

Quando venho a essas linhas, e venho pelo convite irrecusável da Amabile Luz, e venho porque acredito. Sou desses jovens que está no momento de encontrar algo que o represente na vida e escolha para lutar. É comum enxergarmos as glórias individuais e coletivas. São louvores para sete dias de bebedeira seguidos. 

Porém para o nosso ofício e para o tanto que ainda temos a conquistar juntos, que valorizemos o ato de pensar. Sim, o pensar. A organização de pensamento de grupo, as estratégias para aquilo que queremos fazer e o que é modificado com a existência de um espaço físico para nossas criações. Diálogo que se expande a cada dia, de forma que nem nós que estamos vivendo conseguimos entender a proporção. Se nem só de pão vive o homem, parafrasearia então, que nem só de espetáculos se vive um grupo de teatro.

O princípio elementar da sociedade pede que nós, enquanto seres humanos, nos envolvamos uns com os outros. Talvez tenha sido esse o meu primeiro aprendizado fazendo parte de um coletivo artístico, esse de que não há como ser um membro de um grupo de teatro sem me relacionar. 

Valorizar o aqui, o agora, a presença. Valorizar quem está perto e quem tem e quer dividir contigo. Menos é mais, para mim a gente conquista público no dia-a-dia, no boca-a-boca, sendo quem somos e tendo muito orgulho de praticarmos nossa cidadania desse jeito. É conquistando um público aqui, o outro ali, e no pessoal, aos poucos. É garantir que aquilo que os convidamos para assistir tem algo a dizer sim, para contribuir que seja transformado num riso tímido ou numa pulga atrás da orelha. 
No final ser um Espaço Cultural é isso, como lavar roupas.

Você precisa colocar o sabão e esfregar, mas não muito que é pra não esticar a toda a roupa. Lava novamente para tirar o sabão e em seguida torcer para tirar o excesso de água, mas não muito que é pra roupa não ficar amarrotada.

E pendura para secar. 

Aguarde, deixe no sol e não se esqueça de recolher, caso chova o processo irá se repetir e você terá que passar por tudo de novo. É saber que, se hoje você não colocar suas roupas pra lavar Zé, amanhã não terá o que vestir.


                                                    ++++++++++++++++++++++

CASA DE AÇÚCAR EM CIDADE DE ÁGUA

Chegando à beira do precipício, nós 12 nos olhamos sem saber como poderíamos seguir dali. Os frutos de 10 anos de trabalho estavam numa garagem. Os espetáculos montados até então não podiam ser apresentados. Os espaços públicos da cidade foram fechados. O Teatro Municipal reservado para um evento privado.

Decidimos, então, procurar nossa própria casa. Foi assim que encontramos o imóvel e em meses de reforma inauguramos o Espaço N de Arte e Cultura. Esse resumo de duas linhas não descreve nem de perto o que foi o processo entre Julho de 2014 e Março de 2015, onde discutimos, planejamos, re-planejamos até inaugurar.

Ainda agora nos perguntamos como pôr esse, que agora é nosso carro-chefe, pra funcionar. Um Espaço que pode formam um público para teatro que foi dizimado pelo poder público em apenas 2 anos. Um Espaço que pode formam novos fazedores de Teatro. Um Espaço que pode trazer pro Teatro da Neura um novo fôlego para recomeçar suas produções.

Somos em 17, sem apoio do Poder Público em nenhumas das esferas, sem financiamento por baixo dos panos, sem patrocínio privado e lutando diariamente pra sobreviver da profissão que escolhemos. Como manter essa casa?  Como pagar o aluguel? Como trazer as pessoas pra perto? Como promover a única coisa que sabemos fazer?

Muitas são as perguntas.
Nossa casa feita de açúcar.
Um mar de vontades querendo derrubá-la.
Como transformar essa cidade em água doce?



Nenhum comentário:

Postar um comentário