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Por que José Serra vacila tanto em anunciar-se candidato?
Para quem acompanha a política paulista com olhos de observador e tem contatos com aliados atuais e ex-aliados de Serra, a razão é simples.
Seu cálculo político era o seguinte: se perde as eleições para presidente, acaba sua carreira política; se se lança candidato a governador, mas o PSDB consegue emplacar o candidato a presidente, perde o partido para o aliado. Em qualquer hipótese, iria para o aposentadoria ou para segundo plano. Para ele só interessava uma das seguintes alternativas: ele presidente ou; ele governador e alguém do PT presidente. Ou o PSDB dava certo com ele; ou que explodisse, sem ele.
Esta foi a lógica que (des)orientou sua (in)decisão e que levou o partido a esse abraço de afogado. A ideia era enrolar até a convenção, lá analisar o que lhe fosse melhor.
De lá para cá, muita água rolou. Agora, as alternativas são as seguintes:
1. O xeque que recebeu de Aécio Neves (anunciando a saída da disputa para candidato a presidente) demoliu a estratégia inicial de Serra. Agora, se desiste da presidência e sai candidato a governador, leva a pecha de medroso e de sujeito que sacrificou o partido em nome de seus interesses pessoais.
2. Se sai candidato a presidente, no dia seguinte o serrismo acaba.
O balanço que virá
O clima eleitoral de hoje, mais o poder remanescente de Serra, dificulta a avaliação isenta do seu governo. Esse quadro – que vou traçar agora – será de consenso no ano que vem, quando começar o balanço isento do seu governo, sem as paixões eleitorais e sem a obrigatoriedade da velha mídia de criar o seu campeão a fórceps. Aí se verá com mais clareza a falta de gestão, a ausência total do governador do dia-a-dia da administração (a não ser para inaugurações), a perda de controle sobre os esquemas de caixinha política.
Hoje em dia, a liderança de Serra sobre seu governo é próxima a zero. Ele mantém o partido unido e a administração calada pelo medo, não pelas ideias ou pela liderança.
Há mágoas profundas do covismo, mágoas dos aliados do DEM – pela maneira como deserdou Kassab -, afastamento daqueles que poderiam ser chamados de serristas históricos – um grupo de técnicos de alto nível que, quando sobreveio a inércia do período FHC-Malan, julgou que Serra poderia ser o receptador de ideias modernizantes.
Outro dia almocei com um grande empresário, aliado de primeira hora de Serra. Cauteloso, leal, não avançou em críticas contra Serra. Ouviu as minhas e ponderou uma explicação que vale para todos, políticos, homens de negócio e pensadores: “As ideias têm que levar em conta a mudança das circunstâncias e do país”. Serra foi moderno quando parlamentar porque, em um período de desastre fiscal focou seu trabalho na responsabilidade fiscal.
No governo paulista, não conseguiu levantar uma bandeira modernizadora sequer. Pior: não percebeu que os novos tempos exigiam um compromisso férreo com o bom estar do cidadão e a inclusão social. Mas continuou preso ao modelito do administrador frio e do sujeito que comprometeu o aparato regulatório do Estado com concessões descabidas a concessionárias.
O castigo veio a cavalo. A decisão de desviar todos os recursos para o Rodoanel provocou o segundo maior desastre coletivo da moderna história do país, produzido por erros de gestão: o alagamento de São Paulo devido à interrupção das obras de desassoreamento do rio Tietê. O primeiro foi o “apagão” do governo FHC.
O fim das ideias
O Serra que emergiu governador decepcionou aliados históricos. Mostrou-se ausente da administração estadual, sem escrúpulos quando tornou-se o principal alimentador do macartismo virulento da velha mídia – usando a Veja e a Folha – e dos barra-pesadas do Congresso. Quando abriu mão dos quadros técnicos, perdeu o pé das ideias. Havia meia dúzia de intelectuais que o abastecia com ideias modernizantes. Sem eles, sua única manifestação intelectual foi o artigo para a Folha criticando a posição do Brasil em relação ao Irã – repetindo argumentos do seu blogueiro.
É bobagem taxar o PSDB histórico de golpista. Na origem, o partido conseguiu aglutinar quadros técnicos de alto nível, de pensamento de centro-esquerda e legalistas por excelência. E uma classe média que também combateu a ditadura, mas avessa a radicalizações ideológicas.
Ao encampar o estilo Maluf – virulência ideológica (através de seus comandados na mídia), insensibilidade social, (falsa) imagem de administrador frio e insensível, ênfase apenas nas obras de grande visibilidade, desinteresse em relação a temas centrais, como educação e segurança – Serra destruiu a solidariedade partidária criada duramente por lideranças como Mário Covas, Franco Montoro e Sérgio Motta.
Quadros acadêmicos do PSDB, de alto nível, praticamente abandonaram o sonho de modernizar a política e ou voltaram para a Universidade ou para organizações civis que lhe abriram espaço.
O personalismo exacerbado
Principalmente, chamaram a atenção dois vícios seus, ambos frutos de um personalismo exacerbado – para o qual tantas e tantas vezes FHC tinha alertado.
O primeiro, a tendência de chamar a si todos os méritos, não admitir críticas e tratar todos subordinados com desprezo, inclusive proibindo a qualquer secretário sequer mostrar seu trabalho. Principalmente, a de exigir a cabeça de jornalistas que o criticavam.
O mal-estar na administração é geral. Em vez de um Estadista, passaram a ser comandados por um chefe de repartição que não admite o brilho de ninguém, nem lhes dá reconhecimento, não é eficiente e só joga para a torcida.
O segundo, a deslealdade. Duvido que exista no governo Serra qualquer estrela com luz própria que lhe deva lealdade. A estratégia política de FHC e Lula sempre foi a de agregar, aparar resistências, afagar o ego de aliados. A de Serra foi a do conflito maximizado não por posições políticas, mas pelo ego transtornado.
O uso do blogueiro terceirizado da Veja para ataques descabidos (pela virulência) contra Geraldo Alckmin, Chalita, Aécio, deixou marcas profundas no próprio partido.
Alckmin não lhe deve lealdade, assim como Aloizio Nunes – que está sendo rifado por Serra. Alberto Goldmann deve? Praticamente desapareceu sob o personalismo de Serra, assim como Guilherme Afif e Lair Krähenbühl – sujeito de tão bom nível que conseguiu produzir das poucas coisas decentes do malufismo e não se sujar.
No interior, há uma leva enorme de prefeitos esperando o último sopro de Serra para desvencilhar-se da presença incômoda do governador.
O que segura o serrismo, hoje em dia, é apenas o temor do espírito vingativo de Serra. E um grupo de pessoas que será varrida da vida pública com sua derrota por absoluta falta de opção. Mas que chora amargamente a aposta na pessoa errada.
Aliás, se Aécio Neves foi esperto (e é), tratará de reasgatar esses quadros para o partido.
Saindo candidato a presidente e ficando claro que não terá chance de vitória, o PSDB paulista se bandeará na hora para o novo rei. Pelas possibilidades eleitorais, será Alckmin, político limitado, sem fôlego para inaugurar uma nova era. Por outro lado, o PT paulista também não logrou se renovar, abrir espaço para novos quadros, para novas propostas. Continua prisioneiro da polarização virulenta com o PSDB, sem ter conseguido desenvolver um discurso novo ou arregimentado novas alianças.
O resultado final será o fim da era paulista na política nacional, um modelo que se sustentou décadas graças ao movimento das diretas e à aliança com a velha mídia.
Acaba em um momento histórico, em que o desenvolvimento se interioriza e o monopólio da opinião começa a cair.
A história explica grande parte desse fim de período. Mas o desmonte teria sido menos traumático se conduzido por uma liderança menos deletéria que a de Serra.
(*) Em nenhuma democracia séria do mundo, jornais conservadores, de baixa qualidade técnica e até sensacionalistas, e uma única rede de televisão têm a importância que têm no Brasil. Eles se transformaram num partido político – o PiG, Partido da Imprensa Golpista
Entrevista de Fignolé Saint-Cyr, secretário geral da CATH, Central Autônoma dos Trabalhadores do Haiti, dia 26.1.10.
Fignolé - Bom dia à todos, à Rádio Tanbou aos camaradas do LKP, guadalupenhos e guadalupenhas,
1) Foi muito difícil entrar em contato com você, as coisas estão difíceis, qual é o seu estado, qual é a situação do Haiti hoje?
Fignolé – A situação é efetivamente muito difícil. O povo haitiano conta com a solidariedade, mas é um povo lutador que procura uma solução.
Eu, como responsável sindical que acompanha a situação, quero alertar a opinião pública internacional, o movimento operário e democrático internacional, sobre o que se passa no Haiti. É verdade que o país está vendo uma importante catástrofe, mas existem aqueles que se aproveitam disso para reforçar a ocupação. Por exemplo, os Estados Unidos instalando 20.000 homens armados.
O Haiti não precisa de armas, nem de porta-aviões, nem de carros blindados, hoje o Haiti precisa de enfermeiros, médicos, engenheiros, para nos ajudar a enfrentar a situação.
2) Questão da ajuda - A ajuda chega, mas a população não tem acesso, mesmo em Porto Príncipe. Existe um problema de coordenação.
Fignolé – É os Estados Unidos quem coordena, quem comanda o aeroporto e o porto. Existe um conflito entre os EUA e a França. Por exemplo, na semana passada se desentenderam os embaixadores da França e dos EUA.
O que nós queremos, como nossos companheiros, é a verdadeira solidariedade. Já sabemos o que estão fazendo nossos companheiros do LKP, da Martinica, da ATPC... Nós contamos com eles e outros para fazer pressão contra a França, especialmente pelo reembolso da dívida imposta ao Haiti pela França, no momento da nossa independência, para a reconstrução do país; ainda mais porque eu ouvi na RFI (Radio França Internacional) que 47% da população francesa concorda que a França ajude o Haiti. Querem passar a imagem de que o Haiti é um país pobre, o Haiti não é pobre, mas foi empobrecido.
3) Questão da Pilhagem - Fignolé – Existe uma lógica por trás do fato da não-organização da distribuição de ajuda, para incitar a população à pilhagem, para reprimir logo em seguida, como aconteceu em Nova Orleans, após o furacão Katrina em 2006.
Nós acabamos de receber a notícia de que a Comunidade Européia se prepara para enviar 350 policiais para “ajudar na distribuição” de ajuda. Nós chamamos todo o movimento operário e democrático para fazer pressão na comunidade internacional, contra os Estados Unidos, para que ele não se aproveite da catástrofe para acentuar a ocupação do Haiti. Nós reafirmamos que nós não precisamos de marines, nem de policiais. É uma maneira de traumatizar ainda mais o povo. O que nós precisamos são de enfermeiros, médicos, engenheiros.
4 – Solidariedade internacional - Fignolé –Nós fazemos um chamado ao movimento sindical internacional, ao movimento operário independente (do mesmo modo que os Estados Unidos, França e Canadá estão reunidos no Canadá), para a organização de uma Conferência Internacional num país francófono, no Canadá, em Guadalupe ou na Martinica, para dizer, atenção: o que os países estrangeiros presentes no Haiti tentam nos impor não é o que nós precisamos, é a política dos países ocidentais, dos banqueiros, o que eles estão aplicando. Nós já vimos isso durante os ciclones de 2008: muita ajuda chegou, mas a maior parte da população nem sequer viu a cor. Desta vez, para impedir isso, é preciso juntar o Haiti à comunidade internacional.
5 – A construção do Haiti - Fignolé – A construção do Haiti só pode ser feita com o movimento sindical de classe independente, para que cada um desenvolva seu papel de maneira democrática, e com a junção entre o movimento operário e democrático haitiano e o movimento internacional de classe independente e democrático, certamente com nossos camaradas do LKP, de algumas confederações dos Estados Unidos, do Brasil, da França... O que está na ordem-do-dia não é uma questão de solidariedade humanitária, é a questão da soberania do Haiti, do respeito do direito do povo haitiano, é o combate contra a ocupação do Haiti. Porque hoje nosso país está enfraquecido politicamente, economicamente, e é a ocasião de fazer os EUA e a França pagarem o preço das ocupações e da colonização do nosso país.
6 – Comitê de acompanhamento - Fignolé – É o combate que nós travamos com organizações haitianas, organizações sindicais, políticas, populares, de mulheres… Combate reforçado pela Comissão Internacional de Inquérito sobre o Haiti, que aconteceu em Porto Príncipe, nos dias 16 a dia 20 de setembro de 2009. Para continuar este combate nós contamos com nossos companheiros, com nossos amigos, nossos camaradas do LKP, da ATPC, do Acordo Internacional dos Trabalhadores e dos Povos.
7 – Situação - Fignolé – Eu estou na rua, como centenas de milhares de haitianos. Como eles eu perdi tudo, inclusive minha casa. Ninguém sabe ao certo quantos mortos, 300 000? Nos viramos com aquilo que sobrou e contamos com a solidariedade entre nós.
Existem muitas amputações, e uma situação sanitária muito precária.
Repito mais uma vez, nós precisamos de médicos e enfermeiros.