sexta-feira, 1 de julho de 2011

Muita gente de fora



Do site Itau Cultural

  ana luiza aguiar  

Machado de Assis, Mutantes, Di Cavalcanti, bossa nova, Cacilda Becker, Chico Buarque, Chico Science, Cidade de Deus, samba, caboclinho, Pagu, Secos & Molhados, Tati Quebra Barraco, O Quatrilho, Romero Brito, Gerald Thomas, Augusto dos Anjos, O Pagador de Promessas, Sebastião Salgado, Glauber Rocha, boi-bumbá, frevo, Rita Lee, Roberto Carlos, Portinari, Fernando Meirelles, Rubem Fonseca, Chitãozinho & Xororó. Você pode até não gostar de todos, mas sente orgulho da diversidade cultural brasileira, certo? Apesar de reconhecer a riqueza de nossa arte e cultura, o povo brasileiro, segundo a última pesquisa sobre os hábitos de consumo cultural divulgada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em novembro de 2010, não a usufrui em sua plenitude: cerca de 70% da população nunca foi a museus ou a centros culturais e pouco mais da metade dos brasileiros nunca vai a cinemas. Para completar, 51,5% nunca vão a shows de música.


O dado mais interessante da pesquisa, porém, é o porquê de os brasileiros não participarem ativamente de sua cultura. “Até bem pouco tempo, a principal justificativa era o preço dos ingressos, dos CDs e dos livros. Esse fator continua sendo determinante, mas um número cada vez maior de brasileiros admite que não tem hábito ou interesse em consumir cultura”, afirma Luiz Parreiras, pesquisador do Ipea responsável pelo levantamento. Some-se a isso o fato de que grande parte dos entrevistados se sente discriminada ao participar de atividades culturais, seja por outras pessoas, seja pela própria instituição que oferece a opção cultural.

Maria do Amparo Souza, diarista e mãe de três filhos, reflete bem esses dados. Aos 40 anos de idade, ela nunca foi ao teatro nem assistiu a um espetáculo de dança e não se lembra da última vez em que esteve no cinema. “Às vezes até tenho vontade, mas como trabalho de segunda a sábado fica muito corrido, só sobra o domingo e dá preguiça”, explica. Ela afirma que teve vontade de levar os filhos para uma mostra sobre o corpo humano que ocorreu em Brasília, cidade onde mora. “Era uma exposição bem interessante, mas custava 50 reais por pessoa. Eu não tinha como ir e levar meus três filhos.” A Pesquisa Nacional sobre Hábitos Culturais divulgada pela Federação do Comércio do Rio de Janeiro (Fecomércio/RJ) em abril deste ano, com dados referentes a 2010, confirma os resultados do Ipea. Em relação aos livros, por exemplo, a falta de hábito é a justificativa de 66% dos que não leem, ao passo que a falta de gosto pela leitura foi mencionada por 23% deles. 

Quase metade da população brasileira, 47%, admite que não realiza nenhuma das seis opções culturais listadas pela pesquisa (leitura, cinema, teatro, show musical, exposição ou espetáculo de dança) por escolha. Dessa forma, a decisão de ir ou não a programas culturais no país não passa, necessariamente, pela questão do preço e muito menos pela falta de opções.

Mas essa situação começa, gradativamente, a mudar. É o que aponta o levantamento da Fecomércio – que ouviu mil pessoas, em 70 cidades, incluindo nove regiões metropolitanas. No ano passado, 53% dos brasileiros declararam ter participado, pelo menos uma vez, de alguma atividade de lazer cultural, 13% a mais do que o número revelado na pesquisa de 2009.

A pesquisa mostrou também que a leitura, o cinema e os shows de música registraram os maiores índices de adesão desde o início da pesquisa, em 2007. No ano passado, 34% dos entrevistados afirmaram ter lido, no mínimo, um livro, ante 23% em 2009 – destaque para o grupo de leitores com mais de 60 anos, que avançou de 9% para 23% na mesma base comparativa. No entanto, dois de cada três habitantes continuam a não ter o hábito de ler. Já o número de pessoas que frequentaram sessões de cinema em 2010 subiu 10% em relação ao ano anterior.

Nó da questão
Celso Athayde, produtor cultural e fundador da Central Única das Favelas (Cufa), questiona as interpretações. “Essas pesquisas me surpreendem por continuar a cometer o equívoco de achar que acesso à cultura é algo relacionado ao consumo da produção artística clássica, ou seja, a cena dos produtores e criadores que consolidaram o seu espaço no mercado de cultura, lazer e entretenimento, o que alguns definem como ‘elite cultural’ ”, afirma.

Ele defende que organizações como Cufa, AfroReggae, Crescer e Viver e Nós do Morro têm tornado possível a jovens de comunidades populares, de favelas e em situação de vulnerabilidade experimentar o contato com as múltiplas linguagens artísticas e culturais. “Eles desenvolvem habilidades para apropriar-se de diferentes formas e produzem a sua própria forma de ser, estar e existir no mundo pela e para a cultura. Para isso, não é necessário pagar ingresso ou ser plateia.”

É importante ressaltar que o hábito cultural também reflete a situação da educação no país. O baixo índice de educação formal do brasileiro faz com que suas alternativas de lazer se concentrem, invariavelmente, na programação televisiva. Desta forma, o consumo de cultura se caracteriza mais pelo hábito doméstico: música em rádio ou CDs;  cinema na TV ou no DVD; além da internet, cujo uso tem-se intensificado.

Subsídio público
A produtora cultural Melina Hickson – responsável pela produção executiva de 14 edições do Festival Abril Pro Rock, entre outros projetos – acredita que, para reverter esse quadro, o governo precisa investir mais na difusão da cultura. Para ela, o vale-cultura (Projeto de Lei nº 5798/09 que deve ir a plenário no Congresso Nacional ainda neste ano), uma das medidas do poder público para garantir o acesso das pessoas aos bens culturais, apesar de boa iniciativa, isoladamente, não é suficiente. “Ver a cultura ser incluída na tríade dos ‘vales’, com o alimentação e o transporte, e ser percebida com um olhar mais amplo, saindo da visão do puro entretenimento, do descartável, do desnecessário, é sem dúvida um ganho”, explica.
Ela imagina que o benefício vá aumentar consideravelmente o consumo em segmentos como cinema, dança, museu e teatro. 

Observa, porém, que, em um primeiro momento, o trabalhador empregará seu benefício em produtos que já conheça, que viu na televisão ou ouviu no rádio. “Será que o cidadão empregaria seu vale num concerto ou show de um artista que ele nunca viu ou ouviu?”, duvida. Por isso, Melina defende que é necessária a criação de mecanismos para melhorar a difusão do que é produzido no país e, assim, democratizar e ampliar a cultura.

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